escritor do mês: José Saramago

domingo, 26 de setembro de 2010

O 10ºC

Neste momento, o 10ºC assemelha-se a uma cidade que ainda está em fase de construção, existem estradas e ruas para construir e várias obras um pouco por todo o lado que têm de ser resolvidas para esta se poder proclamar uma verdadeira cidade.Estas obras podem ser vistas na nossa turma como a interacção, ou melhor, ainda a falta dela e as estradas e ruas como a ligação que está a ser construída entre nós e que nos vai ajudar a tornar numa turma.
Todos os edifícios nesta cidade são únicos, alguns podem ser iguais ou muito semelhantes por fora, mas quando entramos lá dentro certamente que notamos diferenças nem que seja só na decoração e, como em todas as grandes metrópoles que existem pelo mundo fora, necessita de existir uma interdependência entre todos estes edifícios, pois se um falhar levará todos os outros à ruína e destruirá esta tão jovem cidade.
Além disso, todos estes edifícios trabalham para o mesmo objectivo: tornar a vida dos cidadãos o mais confortável e agradável possível e para o atingir necessitam uns dos outros. É certo que existem sempre edifícios menos agradáveis como o das finanças e outros mais prazenteiros como o centro comercial, mas de uma maneiro ou de outra todos são importantes para o bom funcionamento da cidade.
Não podemos estar certos sobre o futuro desta “amostra” de cidade, pode vir a tornar-se uma grande metrópole ,mesmo que tenha alguns acidentes de percurso como a falta de verbas para a manutenção da piscina municipal ou pode tornar-se numa cidade degradada onde ninguém quer pôr os pés.
É assim que vejo o 10ºC neste momento e espero que num futuro próximo se torne numa grande metrópole ou melhor, numa turma.
Como já dizia Simone Weil: “a amizade não se busca, não se sonha, não se deseja, ela exerce-se”.

Maria de Albuquerque

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ESCRITOR DO MÊS

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JOSÉ SARAMAGO

JOSÉ SARAMAGO

"A meio deste mês de Outubro será publicado, em Portugal e no Brasil, Claraboia, o romance que José Saramago escreveu antes de entrar num tempo de silêncio que durou quase 20 anos, e que, de alguma maneira, teve a sua origem na falta de respeito com que o autor se sentiu tratado. José Saramago, com 30 anos recém cumpridos, entregou o que supunha vir a ser o seu segundo romance a um amigo, com relações editoriais, que se encarregou de levá-lo a uma editora portuguesa. Que nunca o editou, decisão que Saramago poderia aceitar, mas nunca daquela forma, durante meses e anos não lhe responderam e, para além disso, não devolveram o original. Foi assim até quarenta anos depois, quando recebeu a insólita notícia de que “numa mudança de instalações se havia encontrado um manuscrito e que estariam muito interessados em publicar”. Saramago agradeceu a oferta mas, disse, já não é o momento, já passaram muitos anos. E não quis ver publicada Claraboiaem vida, ainda que tenha deixado escrito que os que lhe sobrevivessem poderia fazer o que pensassem conveniente.

E o conveniente é conhecer o primeiro Saramago, o que já era um grande escritor ainda que os meios de comunicação não falassem dele e as editoras recusassem os seus originais. A partir de Outubro, todos os leitores em português terão a possibilidade de desfrutar deste presente, desta pequena e madura jóia. Outros idiomas terão de esperar, ainda que talvez na primavera os leitores em castelhano, catalão e italiano, possam ter oportunidade de ter este livro de Saramago nas mãos, para aumentar a sua bagagem, para disfrutar com a grande literatura." josesaramago.org

Excerto
«Por entre os véus oscilantes que lhe povoavam o sono, Silvestre começou a ouvir rumores de loiça mexida e quase juraria que transluziam claridades pelas malhas largas dos véus. Ia aborrecer-se, mas percebeu, de repente, que estava acordando. Piscou os olhos repetidas vezes, bocejou e ficou imóvel, enquanto sentia o sono afastar-se devagar. Com um movimento rápido, sentou-se na cama. Espreguiçou-se, fazendo estalar rijamente as articulações dos braços. Por baixo da camisola, os músculos do dorso rolaram e estremeceram. Tinha o tronco forte, os braços grossos e duros, as omoplatas revestidas de músculos encordoados. Precisava desses músculos para o seu ofício de sapateiro. As mãos, tinha-as como petrificadas, a pela das palmas tão espessa que podia passar-se nela, sem sangrar, uma agulha enfiada.
Num movimento mais lento de rotação, deitou as pernas para fora da cama. As coxas magras e as rótulas tornadas brancas pela fricção das calças que lhe desbastavam os pelos entristeciam e desolavam profundamente Silvestre. Orgulhava-se do seu tronco, sem dúvida, mas tinha raiva das pernas, tão enfezadas que nem pareciam pertencer-lhe.
Contemplando com desalento os pés descalços assentes no tapete, Silvestre coçou a cabeça grisalha. Depois passou a mão pelo rosto, apalpou os ossos e a barba. De má vontade, levantou-se e deu alguns passos no quarto. Tinha uma figura algo quixotesca, empoleirado nas altas pernas como andas, em cuecas e camisola, a trunfa de cabelos manchados e sal-e-pimenta, o nariz grande e adunco, e aquele tronco poderoso que as pernas mal suportavam.
Procurou as calças e não deu com elas. Estendendo o pescoço para o lado da porta, gritou:
- Mariana! Eh, Mariana! Onde estão as minhas calças?
(Voz de dentro:)
- Já lá vai!
Pelo modo de andar, adivinhava-se que Mariana era gorda e que não poderia vir depressa. Silvestre teve de esperar um bom pedaço e esperou com paciência. A mulher apareceu à porta:
- Estão aqui.
Trazia as calças dobradas no braço direito, um braço mais gordo que as pernas de Silvestre. E acrescentou:
- Não sei que fazes aos botões das calças, que todas as semanas desaparecem. Estou a ver que tenho de passar a pregá-los com arame…
A voz de Mariana era tão gorda como a sua dona.»