escritor do mês: José Saramago

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Autobiografia...a nossa vida numa página


Abri os olhos para o mundo em Julho de 1995, numa terra chamada Moldávia, mais precisamente, Bãlti.  Lembro -a  com  os olhos de criança, em que todos os objectos parecem maiores que a realidade, oiço as gargalhadas das minhas tias e todas as versões à volta da mesma história. Lembro-me ainda do meu quarto com papel de parede azul e elefantes em calções de banho.
Na gaveta das minhas memórias há uma que relembro com grande saudade, o último Natal na Moldávia. Vejo uma árvore que para mim adquiria dimensões gigantes no canto da sala, toda a família está a jantar e vislumbro pela janela flocos de neve que vão repousando num leito branco e vejo-me simplesmente em paz.
Deixo a minha infância aos seis anos, com o descolar do avião, perco para sempre o que nunca mais irei ter, o direito de pertencer a uma terra. No meu coração de criança nasce um sentimento novo, a solidão. Afastada da minha família e longe da minha casa, sinto-me só. Cultiva-se em mim um ódio por este país que tanto me roubou e me forçou a crescer, Portugal…um país que depois aprendi a amar.
Começou então uma nova vida, descubro pela primeira vez o mar, um amigo um pouco maior que os outros. Coimbra tornou-se uma madrasta de que comecei a gostar e com ela esqueci o que outrora fui, uma criança que achava que o mar era uma piscina maior.
Conta-se por uma mão as casas por onde passei, saltitei de casa em casa e de escola em escola. Aprendi a escrever na escola primária da Palheira, frequentei o ensino básico na escola EB 2/3 Poeta Manuel da Silva Gaio e o terceiro ciclo na Secundária José Falcão.
E eis que as rodas do destino que tanto me fizeram viajar me levaram à Escola da Quinta das Flores e me propuseram que escrevesse uma autobiografia, que mais não é do que os relatos de uma jovem que mal começou a viver. 
Nadejda Licova





15 Anos, uma vida


  Tinha três anos, lembro-me de sair do berço e de caminhar no meu corredor que estava laranja devido à luz reflectida das janelas e foi aí que comecei a viver.
 Quando tinha cinco anos entrei para a pré-escola, na Baixa de Coimbra e recordo-me de chamar bêbado a um estudante universitário quando saía c da pré-escola com a minha mãe e ele respondeu-me com uma gargalhada que um dia iria ser como ele, um estudante universitário. Aos seis anos entrei na primária, onde fiz grandes amizades e aprendi além de ler e de escrever grandes lições para a vida.

    Em 2003 penso que foi um ano em que tenho mais memórias das minhas férias em família, pois alugávamos uma casa em Peniche e de manhã íamos sempre à praia e o mar estava tão sereno e sem ondulação que podia brincar sem medo; nesse tempo o areal era extenso e eu fazia grandes construções na areia com o meu irmão. Depois entrei no 2º ciclo onde tudo é diferente; dois anos depois no 3º ciclo, na escola Quinta das Flores e comigo levei amigos dos anos anteriores e fiz novos amigos; também comecei a sofrer com a adolescência e toda a sua mudança e com a descoberta física e emocional, comecei a construir o meu carácter, bem como definir gostos. Nesse ano fiz também a minha primeira viagem de barco, às Berlengas, algo assustador e relaxante ao mesmo tempo, contudo descobri o verdadeiro espírito de grupo e daí em diante desenvolvi as minhas amizades e tive aventuras cómicas e outras nem tanto, mas sempre acompanhado de quem gosto.
Hoje estou no 10º ano e faço tudo para ser como o menino que guardo desde a minha infância.
Tiago Costa



Passavam poucos minutos das 22h15 e lá venho eu ao mundo, numa pacata segunda-feira – 18 de Setembro de 1995. Lembro-me de uma história que sempre me contaram sobre o meu nascimento. No momento em que abri pela primeira vez os meus sensíveis e reluzentes olhos, abri apenas um e só algum tempo depois, o outro. Eu sempre co
mentei a situação, dizendo que isso se deveu ao facto de eu já ter nascido extremamente inteligente – já sabia piscar o olho e tudo.
Tive uma infância feliz, embora saiba que na realidade nem tudo foi sempre um mar de rosas, mas as crianças são mesmo assim. Vivem no seu próprio mundo em que tudo pode existir. Um mundo de sonhos brilhantes, de alegria e de muitos brinquedos. Tinha uma personalidade forte, muito minha. No glorioso momento em que deixei as rodinhas da bicicleta para trás, substituí-as pela presença do meu pai. Bicicletas nunca foram o meu forte. Lá andava eu, com o meu pai a agarrar a bicicleta enquanto eu pedalava para não cair – o meu novo conceito de “bicicleta sem rodinhas”.
Andei num infantário excelente – o “arco-íris”. Fui lá há poucos meses fazer uma visita e lá continuava a mesma senhora que tomou conta de mim, naqueles meus anos de birras, fraldas, gargalhadas e de papa. Desde que saí de lá por vezes encontrava a senhora e ainda estava muito à vontade com ela. Contudo, foi uma emoção forte. Aquele espaço, já diferente, renovado fez-me sentir em casa, por alguma razão. Deixei-me levar e até comecei a brincar com os bebés que lá estavam na altura. Como eles são incríveis. Como éramos incríveis.
Entretanto voo para a primária. Andei no Externato Filipa de Lencastre que no meu segundo ano fechou para minha grande sorte. É capaz de ter sido a experiência mais forte e de certo modo traumatizante que já tive numa escola e na vida. Pois eu era apenas uma menininha! Enfim. Talvez por isso o nome de “Externato” seja uma palavra forte. Depois fui para a Escola nº39 de Montes Claros, que a meus olhos era uma escola já bastante adulta. Sentia-me outra quando lá andei. Maior. Tive uma grande professora e colegas com quem ainda agora mantenho o contacto. Vivenciei também grandes carnavais – o culminar de todos foi quando me vesti de vampiro. Com dentes e tudo! Sempre fui muito à frente.
Escola Básica 2 e 3 Martim de Freitas – grandes anos. Muitos altos, muitos baixos. No oitavo ano tive uma grande recaída. A acumulação de problemas de diferentes níveis e a minha inexperiência em lidar com eles levou-me a um ano extremamente negativo. Acho que foi o ano de reviravolta entre a minha infantilidade e a minha maturidade. Chorei, gritei, esperneei, caí, desisti, levantei-me ligeiramente, voltei a cair, desisti, desisti, desisti. Desisti da vida. Perdi amigos, perdi confiança, perdi a alegria, perdi um ano da minha vida. Ganhei muitos medos, inseguranças, mas ao mesmo tempo uma nova vida. A minha sorte foi haver pessoas a não desistirem de mim, a puxarem por mim, a continuarem a estar do meu lado por mais asneiras que eu cometesse. Tive esses pilares comigo e sobrevivi, levantei-me, ergui-me, levantei a cabeça, segui em frente.
Entretanto estava na hora de escolher que escola frequentar no curso secundário. Entrei na Quinta das Flores. Os primeiros meses foram, de certo modo, complicados. Não me sentia integrada, parecia que toda a gente me olhava de lado. Sentia-me de parte, mesmo quando estávamos todos juntos a conversar. Talvez seja esse o meu problema, dar sempre uma má impressão que não corresponde à realidade. Sinto que estou no lugar certo, ainda com algumas coisas para mudar, mas não podemos ter tudo o que queremos. Apesar dos maus períodos, maus caminhos, más decisões estou agora num sítio onde me sinto bem. Tudo acontece por uma razão e talvez tudo o que de mau aconteceu esteja agora a ser ofuscado por este período exigente, esgotante, mas de certo modo positivo.
Nos meus 15 anos, idade actual, andei de avião pela primeira vez – uma experiência memorável e que irá marcar este ano. Mais um na minha vida.
Já fiz tanto. Participei em tantas coisas, vivi tanto, estive tão apaixonada, estive tão em baixo, vivi tantas desilusões, tantas alegrias, tive grandes amores, grandes amigas. Superei fases complicadas e caminhei em fases esplêndidas. Sinto-me preparada para o que der e vier, hei-de continuar sempre com a cabeça erguida.
Mariana Oliveira


Humor: 
O que é que uma impressora diz para a outra?
-Essa folha é tua ou é impressão minha?



Da Semente à Flor
                Nasci. Como uma semente, era algo pequeno e frágil que precisava de protecção, tudo o que fazia era comer, dormir e chorar, (eram as minhas actividades diárias, ainda não tinha desenvolvido capacidades para mais… não conseguia fazer nada sozinha) era completamente dependente daqueles que me rodeavam, tinham de me dar o biberão, mudar a fralda, dar-me banho, transportar ao colo ou num carrinho, pôr-me no berço… esta vida de dependência não me incomodava, como todos os bebés não precisava nem sentia necessidade de mais (não precisava nem queria independência).
                Cresci. Naquela altura, já como um pequeno rebento prestes a desabrochar, não precisava de tanta protecção, já conseguia fazer algumas pequenas tarefas sozinha e sem ajuda. Já andava, falava, já sabia comer sozinha e já não era tão dependente, a pouco e pouco já estava a ganhar um pouco de independência, um pouco de liberdade, um pouco de mim mesma. Foi nessa altura que comecei a desenvolver os gostos e a minha personalidade, foi nesta altura que comecei a descobrir quem sou e o que poderia vir a ser, foi nesta altura que comecei a querer saber o porquê das coisas e não apenas a contentar-me com o facto de elas simplesmente existirem.
                Agora, como uma pequena flor acabada de desabrochar, já sei quem sou, já estou a preparar o que vou ser, sou uma pequena adulta com a noção do certo e do errado, com vontades próprias que vão para além das necessidades, agora não é apenas o que preciso, mas também o que quero, o que desejo. Sou a criadora do meu próprio destino.
                As portas abertas da adolescência.
Joana Rosa 


Humor:
Como se diz top-less em chinês?
- Xem-chu-tian.

             Nasci a 23 de Maio de 1995 na maternidade de Caucaia - CE.
 Pelo que a minha mãe me conta fiquei doente logo no meu segundo dia de vida e tive que voltar para o hospital, fiquei engripada. Essa minha gripe surgiu porque o meu pai quis-me exibir no banco da frente do carro e por consequência apanhei com todo o sol do meio-dia brasileiro e fiquei doente. A minha família ficou toda em pânico, afinal eu era muito pequenina e era a primeira neta de ambos os lados.
Da minha infância lembro-me de ser muito mimada pela minha tia e das doenças que tive, entre as quais duas pneumonias, e mais uma vez o culpado foi o meu pai, levava-me para a praia todos os dias a qualquer hora e eu adorava, mas esses passeios fizeram-me ficar internada várias semanas. Dessas semanas de hospital recordo um intenso cheiro a lixívia, da idosa ao meu lado e das célebres agulhas. Lembro-me bem de escolher as suas cores e as formas, lembro-me de as tirar várias vezes só para poder escolher outra. Agora tenho pavor a agulhas.
Em 2001 a minha vida e a vida dos meus pais mudou… viemos viver para Portugal e mal chegámos fui logo para a escola. Conheci novas pessoas e fiz novos laços de amizade, alguns ainda duram até hoje. O período de adaptação custou um bocadinho, não devido ao frio, mas devido a gastronomia. Na escola era obrigada a comer a sopa e o segundo prato, e para mim era muito estranho não haver o feijãozinho no segundo prato em vez de couves. Recordo-me do dia em que disse à cozinheira que me recusava a comer as couves do caldo verde porque aquilo era “mato”.
Rapidamente passei para o segundo ciclo, tudo era novo, tinha mais livros e já me sentia grande, era uma sensação magnífica, infelizmente rapidamente passou, de repente tinhas mais responsabilidades e com o tempo foram aumentando cada vez mais e mais. Os anos foram passando e agora estou no secundário (Uau! SECUNDÁRIO!), e tudo o que eu queria era voltar a ser pequena, não ter responsabilidades nem ter com o que me preocupar. Agora tenho que estudar e tentar fazer o melhor para conseguir uma boa média e entrar para universidade, afinal não me posso esquecer que foi para isso que os meus pais vieram para este país, e agora que penso na decisão, acho que esta foi a melhor que eles poderiam ter tomado, porque muito sinceramente eu não me consigo imaginar a viver no Brasil, e se um dia eu tivesse que voltar, não voltava porque agora a minha terra é esta, e é aqui que eu quero viver.
Luana Carvalho da Silva


Humor:
Como é que as enzimas se reproduzem?
- Fica uma enzima da outra.

Não foi muito bonita, a minha primeira imagem deste Mundo. Aliás, todas as crianças devem ficar com má impressão desta vida assim que nascem, ou então familiarizam-se com o carnaval logo à nascença, com imensas pessoas mascaradas de azul a tentar fazer-nos rir ou chorar. No meu caso, não tive muita sorte e no dia 27 de Março de 95, os homens vestidos de azul, decidiram que chorar seria a melhor opção. Nunca fui de dar parte de fraca, e por isso, conta-me a minha mãe que quase me atiraram contra a parede, para eu conseguir soltar o primeiro grito. Deve-me ter doído, mas toda a gente ficou muito feliz e aliviada, foi com esta violência que acordei para o Mundo.
Da maternidade, saltei para uma longa, calma e fascinante infância, em que tudo me sorria, e eu sorria também. Sempre sorri muito. O primeiro grande acontecimento foi tirar as rodinhas de trás da minha super bicicleta com sessenta centímetros! Todos os vizinhos se reuniram no pátio, lembro-me da emoção que senti naquele momento, em que o meu pai me empurrou e eu pedalei sozinha. Foi uma sensação de liberdade e de alegria imensa que durou poucos segundos. Depois caí, e parti o queixo. Ainda hoje tenho a cicatriz, mas não me lembro da dor, só do prazer que me deram aqueles seis segundos de liberdade, movimento e de independência.
Com o queixo partido e um comportamento traquina fui crescendo numa adaptação constante, uma vez que mudei de escola e infantário seis vezes, se não me engano. Sempre foi fácil fazer amigos, acho que era por todos gostarem dos meus lápis giotto, que eram do mais fashion que podia haver na altura. Sim, sempre adorei lápis de cor, tintas, e tudo aquilo que pudesse usar para sujar as mãos. Fazia sempre os trabalhos do dia do Pai, da Mãe, do Irmão, do gato, dos cães e de tudo o que me viesse à cabeça. Posso dizer, sem sombra de dúvida, que até aos doze anos era uma perfeita inventora. Inventava sem precisar de! Um dia, fiz uma caixa de música com cartão, fita-cola e atacadores, apenas. Não dava música, mas era muito bonita! A minha mãe sempre me dizia que ia levar a família a falência com os gastos de rolos e rolos daquela fita adesiva. Outra vez, tentei fazer um perfume, misturando todos os líquidos que pudesse encontrar na despensa com pétalas de rosas do jardim da avó. Não resultou muito bem pois tive uma alergia e nunca mais me voltei a meter naquelas aventuras. Ainda hoje acho que desperdicei um grande talento, mas enfim.
Próximo também… Ah, claro, o jardim da avó! Pleno de árvores de toda a espécie e de flores de todas as cores. Como eu adorava aquele jardim. Inventava imensas histórias, sempre que para lá ia brincar. Lembro-me muito bem delas, em parte porque não mudei muito, da infância até agora. Claro que deixei de comer cola e sujar as paredes com plasticina, deixei de lançar os gatos ao ar para me rir com as piruetas que os pobres coitados tão bem executavam para conseguir cair em pé.
Comecei a guardar os giotto no estojo em vez de pintar.
A grande mudança deu-se aos dos doze anos, quando deixei a escola básica e fui para a Secundária Quinta das Flores. Foi aí que eu e a minha vida mudou por completo. Deixei as invenções e as engenhocas de parte e comecei com a interpretação e a leitura de matéria. Deixei o jardim da avó e passei a inventar histórias sobre as pessoas que me acompanhavam nos autocarros, imaginando o que lhes passaria pela cabeça.
Olhando para trás, acho que sempre fui privilegiada, ao longo de todos os anos passados. Não deixei de sorrir, e até hoje, é essa a minha grande recordação de infância.
Agora, com quinze anos é tempo de olhar para o futuro e continuar a pedalar sem rodinhas, embora saiba que na vida irei cair algumas vezes, que vou voltar a partir o queixo e que terei de me levantar vezes e vezes sem conta e hei-de procurar momentos de pausa, para tirar das gavetas, os meus lápis de cor.
Carolina Maurício  de 2011-02-14


Humor:
O que é que um tubarão diz para o outro?
-Tubaralhas-me



Nasci a 16 de Maio de 1994 em Coimbra e, mais ou menos desde essa altura, vivo no número cinco da Verde Pinho, rua que poucos conhecem.

Quando a minha mãe descobriu que estava grávida, tinha ela a idade que eu tenho agora, tudo mudou. Tanto que se viu forçada a sair da pequena casa da minha avó materna e, pouco depois, da escola, levando “a casa às costas” para a casa da minha tia, ainda mais pequena. E é assim que começa a minha vida e acaba prematuramente a adolescência da minha mãe. Nunca lhe passou pela cabeça não ficar comigo, acabar com a gravidez ou fazer outra coisa qualquer, assumiu a responsabilidade sozinha, corajosa, lutando para me dar tudo e mais alguma coisa.
Algum tempo depois fomos para casa da minha avó, mas na altura ela trabalhava, por isso tive de ir para uma ama, onde passei os melhores tempos da minha infância e onde fiquei durante muitos anos. Ainda hoje quando a visito tem a casa cheia de fotografias dos meninos de que tomou conta e eu apareço em grande parte, pois conheci-os quase todos.
 A partir daí, a vida complicou-se. Entrei para a antiga escola16, onde fiquei até ao segundo ano, pois a minha mãe acabou por descobrir que a professora não gostava propriamente de ensinar e mudou-me para a 38, onde fiquei até acabar o quarto ano e onde aprendi tudo o que devia ter aprendido na antiga escola, mas nem tudo foi um mar de rosas pois, no terceiro ano, um problema que tenho de nascença resolveu dizer olá e acabei por ficar algum tempo no hospital, o que acabou por se tornar uma boa experiência, pois conheci um novo mundo.
Seguiu-se a Casa Branca, como é conhecida por todos, onde acabei por chumbar no sexto ano, o ano em que o meu irmão nasceu, em que fiquei doente vezes sem conta e em que decidi ser rebelde. Continuei na mesma escola, mas numa nova turma, enfrentando de novo uma difícil etapa de adaptação, pois sempre gostei de me proteger na minha carapaça e não dar muito nas vistas, o que pode fazer com que más influências se aproveitem, mas felizmente sempre tive cabecinha para dizer não quando devia, algo que a minha mãe aprendeu por experiência própria e me ensinou desde cedo. Depois desse ano, recebi a notícia de que ia ser transferida para a escola onde a minha mãe andava quando engravidou, a Quinta das Flores. Fiquei muito assustada, pois nesse ano tinha feito as minhas primeiras amizades a sério.
Nova escola, novas mudanças e pessoas. Ao princípio foi um choque, mas logo vi que não podia ter ido parar a um sítio melhor. Conheci pessoas que nunca esquecerei, aprendi com os meus erros, cresci e tentei ser melhor, libertei-me um pouco da carapaça onde sempre gostei de me esconder, ganhei qualidades, descobri defeitos e feitio, descobri o valor de amizade, o que é gostar, o que é sofrer, guardar um segredo e a parvoíce que é ser adolescente, bem como as experiências próprias desta fase, tais como sair à noite pela primeira vez.
Os anos foram passando, sétimo, oitavo, nono e, finalmente, cheguei ao décimo ano. A mudança continua, há muito a aprender ainda, um longo caminho a percorrer. Não sei o que quero para o meu futuro, mas espero descobrir.
Ana Isabel


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ESCRITOR DO MÊS

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JOSÉ SARAMAGO

JOSÉ SARAMAGO

"A meio deste mês de Outubro será publicado, em Portugal e no Brasil, Claraboia, o romance que José Saramago escreveu antes de entrar num tempo de silêncio que durou quase 20 anos, e que, de alguma maneira, teve a sua origem na falta de respeito com que o autor se sentiu tratado. José Saramago, com 30 anos recém cumpridos, entregou o que supunha vir a ser o seu segundo romance a um amigo, com relações editoriais, que se encarregou de levá-lo a uma editora portuguesa. Que nunca o editou, decisão que Saramago poderia aceitar, mas nunca daquela forma, durante meses e anos não lhe responderam e, para além disso, não devolveram o original. Foi assim até quarenta anos depois, quando recebeu a insólita notícia de que “numa mudança de instalações se havia encontrado um manuscrito e que estariam muito interessados em publicar”. Saramago agradeceu a oferta mas, disse, já não é o momento, já passaram muitos anos. E não quis ver publicada Claraboiaem vida, ainda que tenha deixado escrito que os que lhe sobrevivessem poderia fazer o que pensassem conveniente.

E o conveniente é conhecer o primeiro Saramago, o que já era um grande escritor ainda que os meios de comunicação não falassem dele e as editoras recusassem os seus originais. A partir de Outubro, todos os leitores em português terão a possibilidade de desfrutar deste presente, desta pequena e madura jóia. Outros idiomas terão de esperar, ainda que talvez na primavera os leitores em castelhano, catalão e italiano, possam ter oportunidade de ter este livro de Saramago nas mãos, para aumentar a sua bagagem, para disfrutar com a grande literatura." josesaramago.org

Excerto
«Por entre os véus oscilantes que lhe povoavam o sono, Silvestre começou a ouvir rumores de loiça mexida e quase juraria que transluziam claridades pelas malhas largas dos véus. Ia aborrecer-se, mas percebeu, de repente, que estava acordando. Piscou os olhos repetidas vezes, bocejou e ficou imóvel, enquanto sentia o sono afastar-se devagar. Com um movimento rápido, sentou-se na cama. Espreguiçou-se, fazendo estalar rijamente as articulações dos braços. Por baixo da camisola, os músculos do dorso rolaram e estremeceram. Tinha o tronco forte, os braços grossos e duros, as omoplatas revestidas de músculos encordoados. Precisava desses músculos para o seu ofício de sapateiro. As mãos, tinha-as como petrificadas, a pela das palmas tão espessa que podia passar-se nela, sem sangrar, uma agulha enfiada.
Num movimento mais lento de rotação, deitou as pernas para fora da cama. As coxas magras e as rótulas tornadas brancas pela fricção das calças que lhe desbastavam os pelos entristeciam e desolavam profundamente Silvestre. Orgulhava-se do seu tronco, sem dúvida, mas tinha raiva das pernas, tão enfezadas que nem pareciam pertencer-lhe.
Contemplando com desalento os pés descalços assentes no tapete, Silvestre coçou a cabeça grisalha. Depois passou a mão pelo rosto, apalpou os ossos e a barba. De má vontade, levantou-se e deu alguns passos no quarto. Tinha uma figura algo quixotesca, empoleirado nas altas pernas como andas, em cuecas e camisola, a trunfa de cabelos manchados e sal-e-pimenta, o nariz grande e adunco, e aquele tronco poderoso que as pernas mal suportavam.
Procurou as calças e não deu com elas. Estendendo o pescoço para o lado da porta, gritou:
- Mariana! Eh, Mariana! Onde estão as minhas calças?
(Voz de dentro:)
- Já lá vai!
Pelo modo de andar, adivinhava-se que Mariana era gorda e que não poderia vir depressa. Silvestre teve de esperar um bom pedaço e esperou com paciência. A mulher apareceu à porta:
- Estão aqui.
Trazia as calças dobradas no braço direito, um braço mais gordo que as pernas de Silvestre. E acrescentou:
- Não sei que fazes aos botões das calças, que todas as semanas desaparecem. Estou a ver que tenho de passar a pregá-los com arame…
A voz de Mariana era tão gorda como a sua dona.»