escritor do mês: José Saramago

sábado, 15 de janeiro de 2011

''filme do desassossego''


Ontem, dia 13 de Janeiro, fomos ver o filme do desassossego, realizado por João Botelho no TAGV.
Alguns de nós resistiram durante e para lá do fim. Foi o caso do Francisco Martins e da Nadejda que juntamente com as professoras se sentaram com o realizador à mesa do café, questionando-o sobre as opções feitas. Como a DT disse, depois da conversa com o autor a nossa visão sobre o filme é muito diferente. Por isso mesmo, vale a pena ler a ''entrevista'', a ser postada proximamente
Finalmente, temos que agradecer as professoras Manuela e Isolina, que mais uma vez confiaram em nós, e nos levaram a ver esta belíssima obra.
A repetir! :)








ENTREVISTA A JOÃO BOTELHO

Depois do filme, a Nadejda e o Francisco Soutinho, juntamente com as professoras Manuela Franco e Isolina Melo tomaram um café com o autor do filme que nos surpreendeu a todos,''O filme do desassossego”. 
João Botelho mostrou-se muito disponível e dispensou algum do seu tempo para responder às seguintes questões.
Vale a pena ler!

Nós – a Nadejda e o Francisco Soutinho da nossa turma.
Nós - Qual foi o critério que usou para escolher os textos do livro de Fernando Pessoa?

João Botelho - Esta é a pergunta mais difícil de responder. Não houve nenhum critério em especial, escolhi vinte textos  dos que mais gostei do “Livro do Desassossego” e trabalhei-os de modo a transmitir o conteúdo dos textos , mas também a minha visão , a minha intenção não era transpor o texto. Antes materializá-lo na linguagem do cinema .Para esse efeito utilizei a técnica de cubismo, espelhos, vidros, sombras…

Nós - E como é que seleccionou as personagens?

J.B. – A personagem principal  é a língua portuguesa. As personagens foram escolhidas de modo a representar de certa forma a sua vida. A actriz Alexandra Lencastre aparece ligada às revistas cor-de-rosa e por isso coloquei- a como centro de mesa, a Margarida Vila-Nova foi mãe há pouco tempo e por isso teve um papel com um filho nas mãos. E o casal do “Conta-me como foi” funcionam bem juntos e por isso tiveram aquela conversa no restaurante.

Nós - E quanto ao Cláudio da Silva?




J.B. - O actor na realidade teve, quando era jovem, poliomielite, por isso tem uma deficiência em andar. Só lhe pedi para exagerar, porque o cinema é isso mesmo ,um exagero da realidade. Eu inclui a parte em que a personagem Fernando Pessoa pergunta se achava que ia chover a Bernardo Soares e este diz-lhe que tem um problema em andar, para explicar por que é que ele era manco. Andava sempre com um guarda-chuva para o ajudar a andar.



Nós - Quanto tempo demorou a gravar o filme?

J.B- Para o idealizar e pensar sobre ele, bastante. Li e reli várias vezes o livro. Mas para o pôr em prática demorei quarenta e três dias, trinta e sete dos quais esteve a chover e não se vê nem uma gota na câmara. Houve cenas em que fiz treze takes, oito…até ficar como queria.
Nós - O filme começa a noite e acaba à noite. Tem alguma coisa a dizer sobre isto?

J.B - O filme embora dure duas horas, começa à meia-noite e acaba à meia-noite e três minutos. Todo o filme girou à volta de uma reflexão pessoal que demorou três minutos.

Nós - E quanto à música?

J.B - Utilizei a Ópera de Eurico Carrapatoso, em memória do rei Luís II da Baviera, Caetano Veloso, Lula Pena. Quanto à luz inspirei-me nos pintores  Caravaggio, Richeter e Lucien Freud.

Nós- E qual o significado da parte em que a mulher nua, somente com um casaco de peles, desfila à frente dos sem abrigo?

J.B- Isso foi para demonstrar o absurdo. Uma vez na vida real, uma mulher ricamente vestida quando lhe pediram numa festa para fazer o mais absurdo, ela escolheu um pobre e levou-o para o apresentar na tal festa. 

Nós - E quando fechou o casaco?

J.B - Aquilo foi sedução. Quando uma pessoa está vestida para seduzir despe-se, quando está nua  veste-se. Foi isso que aconteceu.

Nós -  Muito Obrigado pelo seu tempo.






TEXTO CRÍTICO

O “Filme do Desassossego” de João Botelho constituiu uma surpresa para mim, pois não estava à espera do que vi.
Podemos reconhecer o brilhantismo do realizador na medida em que conseguiu personificar o “Livro do Desassossego” de Fernando Pessoa, um diário sem factos, fragmentado, o que por si só, já é digno de mérito, visto tratar-se de um livro íntimo do poeta que é considerado um dos melhores escritores portugueses de sempre.
Contudo, penso que o filme não é dirigido a pessoas como eu, adolescentes de quinze ou dezasseis anos, que ainda não dispõem de maturidade suficiente para o entender e interpretar e, como tal, a minha opinião sobre o filme não é muito positiva.
O filme não teve um “fio condutor”, ou seja, havia algumas cenas que, pelo menos para mim, não encaixavam muito bem com as anteriores e as posteriores, por isso era fácil perdermo-nos. Além disso, foi demasiado longo para um monólogo, pois embora esteja filmado de uma maneira belíssima e de o actor que interpreta Bernardo Soares representar de uma forma exímia, o excesso de duração do filme apela à desatenção que é algo que não deveria acontecer, muito pelo contrário.
Recomendo este filme a todos aqueles que verdadeiramente apreciam Fernando Pessoa, pois penso que o filme lhes irá agradar e também a todos os outros que não gostam de Pessoa e que, tal como eu, ainda não têm capacidade para interpretar toda a densidade psicológica presente no “Filme do Desassossego” porque, mesmo que não gostem de ver o filme, essa mesma visualização acabará por contribuir de alguma forma para a sua sensibilização, aprendizagem e crescimento como pessoas.

Maria de Albuquerque




O “Filme do Desassossego” é dirigido por João Botelho e é baseado no “Livro do Desassossego” de Fernando Pessoa. Conta com um grupo de excelentes actores e traz-nos uma obra da 7ª arte que nos faz redescobrir um pouco o cinema.
Bernardo Soares é o homem da história – que o actor interpreta de uma forma genial segundo o realizador – que aos olhos do público é deprimente e guarda com ele angústia e um pouco de revolta e rancor. Bernardo parece que tenta marcar uma diferença.  Explora teorias que depois representa em sonhos que se vão desenvolvendo ou intercalando. Ao longo do filme vemos que os monólogos são uma constante. Podemos constatar que durante a obra vão sendo inseridas personagens, e há uma em particular – homem misterioso, bem vestido, óculos redondos, altivo – que nos capta a atenção por andar com o “Livro do Desassossego” que serviu de base ao filme apresentado. No final do podemos concluir que esse senhor é afinal Fernando Pessoa.
Existem também momentos musicais incluídos na história que, de algum modo a completam ou são talvez mais um sonho de Soares.
Do meu ponto de vista, este filme é um pouco complexo – talvez não tanto nas falas em si mas nos assuntos implícitos por detrás de tanto texto. Os diferentes planos e imagens podem ter levados a um melhor acabamento do filme, mas também a maior complexidade. Não conhecia bem a história e talvez esse possa ter sido outro factor que levou à minha dificuldade em compreendê-la.
De qualquer modo, recomendaria o seu visionamento a quem aprecia este tipo de trabalho e que tem suficiente raciocínio e conhecimento porque, de facto, a sua complexidade não é para todos ,mas ficamos também a conhecer um novo lado da grande arte que é o cinema.


Mariana Oliveira
Fonte de consulta: desdobrável entregue no Gil Vicente


1 comentário:

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ESCRITOR DO MÊS

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JOSÉ SARAMAGO

JOSÉ SARAMAGO

"A meio deste mês de Outubro será publicado, em Portugal e no Brasil, Claraboia, o romance que José Saramago escreveu antes de entrar num tempo de silêncio que durou quase 20 anos, e que, de alguma maneira, teve a sua origem na falta de respeito com que o autor se sentiu tratado. José Saramago, com 30 anos recém cumpridos, entregou o que supunha vir a ser o seu segundo romance a um amigo, com relações editoriais, que se encarregou de levá-lo a uma editora portuguesa. Que nunca o editou, decisão que Saramago poderia aceitar, mas nunca daquela forma, durante meses e anos não lhe responderam e, para além disso, não devolveram o original. Foi assim até quarenta anos depois, quando recebeu a insólita notícia de que “numa mudança de instalações se havia encontrado um manuscrito e que estariam muito interessados em publicar”. Saramago agradeceu a oferta mas, disse, já não é o momento, já passaram muitos anos. E não quis ver publicada Claraboiaem vida, ainda que tenha deixado escrito que os que lhe sobrevivessem poderia fazer o que pensassem conveniente.

E o conveniente é conhecer o primeiro Saramago, o que já era um grande escritor ainda que os meios de comunicação não falassem dele e as editoras recusassem os seus originais. A partir de Outubro, todos os leitores em português terão a possibilidade de desfrutar deste presente, desta pequena e madura jóia. Outros idiomas terão de esperar, ainda que talvez na primavera os leitores em castelhano, catalão e italiano, possam ter oportunidade de ter este livro de Saramago nas mãos, para aumentar a sua bagagem, para disfrutar com a grande literatura." josesaramago.org

Excerto
«Por entre os véus oscilantes que lhe povoavam o sono, Silvestre começou a ouvir rumores de loiça mexida e quase juraria que transluziam claridades pelas malhas largas dos véus. Ia aborrecer-se, mas percebeu, de repente, que estava acordando. Piscou os olhos repetidas vezes, bocejou e ficou imóvel, enquanto sentia o sono afastar-se devagar. Com um movimento rápido, sentou-se na cama. Espreguiçou-se, fazendo estalar rijamente as articulações dos braços. Por baixo da camisola, os músculos do dorso rolaram e estremeceram. Tinha o tronco forte, os braços grossos e duros, as omoplatas revestidas de músculos encordoados. Precisava desses músculos para o seu ofício de sapateiro. As mãos, tinha-as como petrificadas, a pela das palmas tão espessa que podia passar-se nela, sem sangrar, uma agulha enfiada.
Num movimento mais lento de rotação, deitou as pernas para fora da cama. As coxas magras e as rótulas tornadas brancas pela fricção das calças que lhe desbastavam os pelos entristeciam e desolavam profundamente Silvestre. Orgulhava-se do seu tronco, sem dúvida, mas tinha raiva das pernas, tão enfezadas que nem pareciam pertencer-lhe.
Contemplando com desalento os pés descalços assentes no tapete, Silvestre coçou a cabeça grisalha. Depois passou a mão pelo rosto, apalpou os ossos e a barba. De má vontade, levantou-se e deu alguns passos no quarto. Tinha uma figura algo quixotesca, empoleirado nas altas pernas como andas, em cuecas e camisola, a trunfa de cabelos manchados e sal-e-pimenta, o nariz grande e adunco, e aquele tronco poderoso que as pernas mal suportavam.
Procurou as calças e não deu com elas. Estendendo o pescoço para o lado da porta, gritou:
- Mariana! Eh, Mariana! Onde estão as minhas calças?
(Voz de dentro:)
- Já lá vai!
Pelo modo de andar, adivinhava-se que Mariana era gorda e que não poderia vir depressa. Silvestre teve de esperar um bom pedaço e esperou com paciência. A mulher apareceu à porta:
- Estão aqui.
Trazia as calças dobradas no braço direito, um braço mais gordo que as pernas de Silvestre. E acrescentou:
- Não sei que fazes aos botões das calças, que todas as semanas desaparecem. Estou a ver que tenho de passar a pregá-los com arame…
A voz de Mariana era tão gorda como a sua dona.»