J.B. - O actor na realidade teve, quando era jovem, poliomielite, por isso tem uma deficiência em andar. Só lhe pedi para exagerar, porque o cinema é isso mesmo ,um exagero da realidade. Eu inclui a parte em que a personagem Fernando Pessoa pergunta se achava que ia chover a Bernardo Soares e este diz-lhe que tem um problema em andar, para explicar por que é que ele era manco. Andava sempre com um guarda-chuva para o ajudar a andar.
Nós - Quanto tempo demorou a gravar o filme?
J.B- Para o idealizar e pensar sobre ele, bastante. Li e reli várias vezes o livro. Mas para o pôr em prática demorei quarenta e três dias, trinta e sete dos quais esteve a chover e não se vê nem uma gota na câmara. Houve cenas em que fiz treze takes, oito…até ficar como queria.
Nós - O filme começa a noite e acaba à noite. Tem alguma coisa a dizer sobre isto?
J.B - O filme embora dure duas horas, começa à meia-noite e acaba à meia-noite e três minutos. Todo o filme girou à volta de uma reflexão pessoal que demorou três minutos.
Nós - E quanto à música?
J.B - Utilizei a Ópera de Eurico Carrapatoso, em memória do rei Luís II da Baviera, Caetano Veloso, Lula Pena. Quanto à luz inspirei-me nos pintores Caravaggio, Richeter e Lucien Freud.
Nós- E qual o significado da parte em que a mulher nua, somente com um casaco de peles, desfila à frente dos sem abrigo?
J.B- Isso foi para demonstrar o absurdo. Uma vez na vida real, uma mulher ricamente vestida quando lhe pediram numa festa para fazer o mais absurdo, ela escolheu um pobre e levou-o para o apresentar na tal festa.
Nós - E quando fechou o casaco?
J.B - Aquilo foi sedução. Quando uma pessoa está vestida para seduzir despe-se, quando está nua veste-se. Foi isso que aconteceu.
Nós - Muito Obrigado pelo seu tempo.
TEXTO CRÍTICO
O “Filme do Desassossego” de João Botelho constituiu uma surpresa para mim, pois não estava à espera do que vi.
Podemos reconhecer o brilhantismo do realizador na medida em que conseguiu personificar o “Livro do Desassossego” de Fernando Pessoa, um diário sem factos, fragmentado, o que por si só, já é digno de mérito, visto tratar-se de um livro íntimo do poeta que é considerado um dos melhores escritores portugueses de sempre.
Contudo, penso que o filme não é dirigido a pessoas como eu, adolescentes de quinze ou dezasseis anos, que ainda não dispõem de maturidade suficiente para o entender e interpretar e, como tal, a minha opinião sobre o filme não é muito positiva.
O filme não teve um “fio condutor”, ou seja, havia algumas cenas que, pelo menos para mim, não encaixavam muito bem com as anteriores e as posteriores, por isso era fácil perdermo-nos. Além disso, foi demasiado longo para um monólogo, pois embora esteja filmado de uma maneira belíssima e de o actor que interpreta Bernardo Soares representar de uma forma exímia, o excesso de duração do filme apela à desatenção que é algo que não deveria acontecer, muito pelo contrário.
Recomendo este filme a todos aqueles que verdadeiramente apreciam Fernando Pessoa, pois penso que o filme lhes irá agradar e também a todos os outros que não gostam de Pessoa e que, tal como eu, ainda não têm capacidade para interpretar toda a densidade psicológica presente no “Filme do Desassossego” porque, mesmo que não gostem de ver o filme, essa mesma visualização acabará por contribuir de alguma forma para a sua sensibilização, aprendizagem e crescimento como pessoas.
Maria de Albuquerque
O “Filme do Desassossego” é dirigido por João Botelho e é baseado no “Livro do Desassossego” de Fernando Pessoa. Conta com um grupo de excelentes actores e traz-nos uma obra da 7ª arte que nos faz redescobrir um pouco o cinema.
Bernardo Soares é o homem da história – que o actor interpreta de uma forma genial segundo o realizador – que aos olhos do público é deprimente e guarda com ele angústia e um pouco de revolta e rancor. Bernardo parece que tenta marcar uma diferença. Explora teorias que depois representa em sonhos que se vão desenvolvendo ou intercalando. Ao longo do filme vemos que os monólogos são uma constante. Podemos constatar que durante a obra vão sendo inseridas personagens, e há uma em particular – homem misterioso, bem vestido, óculos redondos, altivo – que nos capta a atenção por andar com o “Livro do Desassossego” que serviu de base ao filme apresentado. No final do podemos concluir que esse senhor é afinal Fernando Pessoa.
Existem também momentos musicais incluídos na história que, de algum modo a completam ou são talvez mais um sonho de Soares.
Do meu ponto de vista, este filme é um pouco complexo – talvez não tanto nas falas em si mas nos assuntos implícitos por detrás de tanto texto. Os diferentes planos e imagens podem ter levados a um melhor acabamento do filme, mas também a maior complexidade. Não conhecia bem a história e talvez esse possa ter sido outro factor que levou à minha dificuldade em compreendê-la.
De qualquer modo, recomendaria o seu visionamento a quem aprecia este tipo de trabalho e que tem suficiente raciocínio e conhecimento porque, de facto, a sua complexidade não é para todos ,mas ficamos também a conhecer um novo lado da grande arte que é o cinema.
Mariana Oliveira
Fonte de consulta: desdobrável entregue no Gil Vicente
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